A louça portuguesa da década de 1930 já seguia para a terceira geração da família sem nunca ter sido usada.
As taças de cristal, os copos ainda na embalagem e até os talheres de prata continuavam na caixa de veludo.
No dia a dia, eram os copos de requeijão, os talheres baratos e os pratos de vidro que serviam à família.
Assim, os copos finos continuavam intactos. Esperavam que uma ocasião especial ocorresse, para que eles pudessem ter sua função exercida.
O jogo de cama de linho, bordado com as iniciais de seus primeiros donos, agora era relíquia, já um pouco amarelado pelo tempo.
As toalhas felpudas gigantes, compradas com sacrifício para compor o enxoval, durante toda a vida, estiveram guardadas em meio a sabonetes já desbotados e ressecados.
Marlene nunca entendeu o motivo de se enxugar com as toalhas fininhas e já esburacadas, quando havia no armário dúzias de toalhas novas. “As toalhas proibidas!”, brincava.
Criança, Marlene quis tornar especial um café da manhã que havia preparado para sua mãe. Sacou do armário a louça branca com flores cor-de-rosa e uma fina linha dourada em toda a borda, que a mãe dizia que seria sua um dia.
Emocionada, sua mãe levantou da cama e foi trocando: a xícara por um copo de Geleia de Mocotó Inbasa; o bule por uma leiteira de alumínio; e as pequenas colheres de prata pelas colheres com cabo de plástico, queimadas pela quentura de uma panela qualquer. Marlene se decepcionou, mas não falou nada.
Agora, após a despedida triste e emocionada de sua mãe, aqueles itens, enfim, pertenciam a ela. Em sua primeira providência, lavou item por item e os acomodou no fundo do armário.
Não seria ela a quebrar a tradição.
Maíra Gomes
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